Atriz brasileira faz sucesso no disputado mercado alemão
Radicada em Berlim há quase 25 anos, entre idas e vindas ao Brasil, a atriz carioca Isabella Parkinson conseguiu um feito: fazer sucesso no disputado mercado alemão. Sua trajetória mistura talento, sorte e muita dedicação.
O acaso também tem um papel na carreira da atriz, que estreou no Rio, no final dos anos 80, em Mattogrosso, sob a direção do exigente Gerald Thomas. Isabella fazia jornalismo, mas resolveu arriscar um teste para a peça, por sugestão de um amigo. Tinha 19 anos, experiência zero, mas acabou selecionada.
A temporada no palco e o convívio com o diretor mudaram o rumo da vida da atriz: “Gerald me fez perceber o quanto o Rio podia ser uma prisão. Não exatamente a cidade, mas o lugar onde a gente cresceu. Toda essa beleza do aconchego, que limita as possibilidades”.
Alemão sem sotaque
Para sair da zona de conforto, a atriz foi parar em Nova York, e depois em Viena. Berlim viria na sequência. “Dei sorte, porque comecei a trabalhar logo”. Já no palco, foi descoberta por Frank Castorf, ícone da dramaturgia alemã.
Diretor do prestigiado Teatro Volksbühne até recentemente, Castorf teve influência direta na formação da atriz. “Ele é muito louco e muito rápido. Você não tem a opção de parar para pensar. Na hora em que o ensaio começa, você tem que ir junto”, lembra.
Convidada a fazer parte do corpo fixo do teatro, Isabella investiu pesado no domínio do idioma. “Foi dedicação total e absoluta. Durante um ano, eu passei todas as peças com um coach, para limpar a pronúncia.” O esforço ajudou a atriz a lapidar um alemão impecável.
Hoje, Isabella tem no currículo 19 peças de teatro, 52 filmes para cinema e TV, e nenhum sotaque. Faz parte ainda das Academias de Cinema Europeia e Alemã, e tem na bagagem o prêmio de melhor atriz do Festival de Cinema de Monte Carlo.
“Num filme nazista, eu seria uma judia”
Com 1,60 de altura, cabelos lisos e pretos, pele clara e uma voz poderosa, a carioca é uma profissional versátil, que navega por gêneros que vão desde a comédia romântica até filmes policiais. Entre eles, Tatort – uma série cult que prende os alemães diante da TV nas noites de domingo.
Já fez papel de motorista de táxi, baby-sitter, terrorista. Sabe, no entanto, que não dá para fazer tudo: “O fato de ser brasileira traz limitações, com certeza. Até pelo meu tipo físico. Jamais faria a Eva Brown (companheira de Adolf Hitler). Num filme nazista, eu poderia fazer uma mulher judia”.
Também já se deu ao luxo de recusar trabalho. Mas mantém os pés no chão. “Todo artista tenta fazer, sempre que possível, escolhas baseadas no personagem, no roteiro, na equipe. Mas, às vezes, a gente tem que fazer opções meramente financeiras.”
Intragável mesmo para ela é o estereótipo que cerca, muitas vezes, a imagem da mulher brasileira no exterior: “Não andamos de biquíni rebolando, não somos todas ninfomaníacas… Quando eu era mais jovem, isso me irritava bastante. Hoje em dia tenho certa preguiça. Mas levo com humor.”
‘I love you’: mais fácil do que ‘eu te amo’
Para a atriz, se expressar em outra língua pode ser até uma vantagem, porque dá mais liberdade. Foi o que descobriu em 2003, ao voltar a atuar em português, depois de um longo jejum, numa peça em Lisboa. “Me sentia completamente exposta. Dizer ‘I love you’ é muito mais fácil do que ‘eu te amo’.”
Entre 2007 e 2014, Isabella chegou a morar novamente no Brasil. Acabou voltando para a Alemanha, mas ainda mantém um vínculo estreito com o país. Acaba de fazer uma participação, inclusive, para uma série da Netflix sobre a Lava-Jato, produzida pelo cineasta José Padilha. “Fui dirigida pelo Daniel Resende, que é um cara incrível”.
Isabella vê uma grande diferença no método de produção entre os dois países. “Confesso que trabalhar na Alemanha é um pouco mais tranqüilo, porque os alemães são muito organizados. E isso acaba de te dando uma enorme liberdade artística”.
Propostas com viés social
Como muitos, ela vê com pessimismo o atual cenário brasileiro. “Acho que vai levar um bom tempo para a sociedade se recuperar dessa falta de pudor e ética e empatia que se instaurou na sala de todo mundo.”
O desejo de trabalhar mais no Brasil, porém, resiste. “Sigo tentando acreditar nessa ponte. Já produzi duas peças, tenho projetos. Mas a arte está num momento muito complicado por lá”.
Aos 47 anos, a carioca tem vontade, acima de tudo, de investir em propostas com viés mais social: “Os artistas têm enorme responsabilidade nesse momento. Não de montar mais uma peça no Shopping da Gávea (bairro que é reduto de artistas no Rio), e falar para quem pensa igual. Mas de ir para as periferias. Tem uma arte incrível vindo de lá que ainda não adentrou os meios de comunicação fortes.”
Sentada na ampla sala do apartamento onde vive com a filha de 16 anos, Isabella está literalmente em casa em Berlim. Mas sempre será uma cidadã do mundo: “Nunca me senti totalmente estrangeira aqui, como nunca me senti totalmente pertencente à cidade onde cresci. Acho que essa sensação de não pertencer 100% é que faz com que a gente vá para o mundo, para um outro lugar.”